PROGRAMA DE PESQUISA COGNITIVA
APRENDIZAGEM MEDIADA
DENTRO E FORA DE AULA
Editora: Senac
Obs.: Somente a introdução do livro (3/10) está sendo publicado neste site.
COMO OCORRE A APRENDIZAGEM?
Por que algumas crianças desenvolvem habilidades de pensamento efetivas, enquanto outras não?
O que os pais e os professores fazem para ajudar as crianças a aprender a partir de suas experiências de vida?
1- INTENCIONALIDADE E RECIPROCIDADE
A intencionalidade ocorre quando o mediador (por exemplo: os pais, o professor, o orientador) orienta deliberadamente a interação numa direção escolhida, selecionando, moldando e interpretando o estímulo específico. A mediação é um ato intencional com propósito específico, no qual o mediador trabalha ativamente para focara atenção no estímulo.
A reciprocidade ocorre quando existem respostas do mediado (aprendiz) e uma indicação de que ele está receptivo e envolvido no processo de aprendizagem. O mediado está aberto para os inputs oferecidos pelo mediador e demonstra cooperação.
É como se o mediador deliberadamente colocasse uma lente de aumento sobre um estímulo em particular para focá-lo melhor e distingui-lo de outros estímulos. Isso é intencionalidade. A intensificação do estímulo chama a atenção do mediado, provocando o que Feuerstein chama de "estado de vigilância" voltado para o estímulo. Isso é a reciprocidade.
A intencionalidade e a reciprocidade são a primeira peça do quebra-cabeça da experiência da aprendizagem mediada. Para que possamos aprender, precisamos ser capazes de criar significado a partir de uma grande quantidade de estímulos que impactam continuamente nossos sentidos. Precisamos isolar estímulos em particular e interagir com eles. Isso é alcançado pelo relacionamento do mediador com o mediado. O mediador isola e interpreta os estímulos (intencionalidade) e os apresenta de uma maneira que resulta numa resposta (reciprocidade) do mediado.
Nota
■ A mera intenção de intervir e interpretar um estímulo não garantirá que a atenção ou a vigilância ocorra (por exemplo: escrever um livro não garante que ele será lido).
■ Para assegurar reciprocidade, o mediador deve buscar ativamente a atenção do mediado e impor propositadamente a mediação (por exemplo: o leitor deve ser levado a abrir o livro e se engajar ativamente em sua leitura).
Na Sala de Aula
Nas situações de sala de aula, podem existir obstáculos à intencionalidade e à reciprocidade. Por exemplo: o professor pode aguardar que o aluno inicie uma interação na crença de que é importante não iniciar a interação da criança com o estímulo. Nesse caso não há intencionalidade.
Uma segunda situação é aquela em que o professor convida ativamente à interação numa lição relevante e bem preparada, mas na qual os alunos não são iniciados pelo professor por estarem cansados, por falta de interesse ou motivação, por não perceberem a importância de um dado tópico, ou por qualquer outro motivo subjetivo. Nesse caso, não há reciprocidade.
2-
SIGNIFICADO
A mediação do
significado ocorre quando o mediador traz significado e finalidade a uma
atividade. O mediador mostra interesse e envolvimento emocional, discute a
importância da atividade com o mediado e
explicita o entendimento do motivo para a realização da atividade.
É como se o mediador desse a chave para a compreensão do significado do estímulo. A chave, ou a mediação do significado, abre e interpreta o contexto cultural no qual o mediado está situado.
O significado é a segunda peça do quebra-cabeça da experiência da aprendizagem mediada. A primeira peça, intencionalidade e reciprocidade, está relacionada com a seleção e o enquadramento de uma atividade ou objeto. A mediação do significado está relacionada com imprimir valor e energia à atividade ou objeto, tornando-o relevante para o mediado.
O processo de dar significado ao estímulo envolve, com frequência, a comunicação de valores éticos e sociais. A significação é o "processo pelo qual conhecimentos, valores e crenças são transmitidos "de uma geração a outra" (Feuerstein, 1980, 13).
Nota
O significado é mediado tanto no nível cognitivo (intelectual) quanto no afetivo (emocional):
■ valores e crenças são comunicados no nível cognitivo;
■ energia e entusiasmo são comunicados no nível afetivo.
Em casa
Uma pessoa que esteja cuidando da criança media a intencionalidade e a reciprocidade quando prepara o seu banho abrindo a água e ajudando-a a se vestir. A . pessoa media a significação encorajando a ter prazer com a água e oferecendo os motivos para aquela experiência. Dessa forma, a pessoa ajuda a criança a se divertir com a atividade e a compreender seu significado.
Em resposta aos críticos que perguntam se é certo o mediador impor seus valores ao mediado, Feuerstein responde com a pergunta sobre se é certo não o fazer. Considere o seguinte:
■ quando uma mãe dá significado a tudo que faz, a criança começa a desejar e a precisar de significado em todos os aspectos da vida;
■ o processo de dar significado estimula a criança a fazer perguntas e a estabelecer a base para prospecções mais profundas, para futuros desafios e para a possível rejeição daquele significado;
■ sem uma firme compreensão de seu ambiente, uma criança não terá a força necessária para responder a ele - para aceitá-lo ou para transformá-lo;
■ sem mediação do significado, a criança é privada do acesso a estímulos enriquecidos cognitiva e afetivamente.
Por esses motivos, Feuerstein acredita que é direito de todo mediado receber experiências de aprendizagem mediada e que é dever do mediador proporcioná-las.
Embora os mediadores possam optar por não impor conscientemente seus valores ao mediado, é inevitável que isso ocorra em alguma extensão. Nenhuma situação está totalmente livre de valores. Entretanto, se a mediação do significado não for explícita, a capacidade do mediado de perceber significado como valor e de avaliar criticamente as situações ficará reduzida.
"O significado é o princípio energético e emocional que exige do mediador a garantia de que o estímulo que está apresentando atinge a criança. É a agulha que passa a linha pelo tecido."
3- TRNSCENDÊNCIA
A mediação da
transcendência ocorre quando
uma interação vai além da necessidade direta e imediata,
consequentemente ampliando e diversificando o sistema ce necessidades do
mediado. O objetivo da mediação da
transcendência é promover a aquisição de princípios, conceitos ou estratégias que podem ser generalizados para
situações além do problema presente.
mediação da transcendência é a terceira peça do quebra-cabeça e o terceiro critério necessário para que uma interação se constitua numa experiência de aprendizagem mediada. Na sua essência, qualquer ato que seja uma experiência de aprendizagem mediada deve incluir intencionalidade e reciprocidade, significado e transcendência.
A mediação da transcendência ocorre quando o mediador liga uma atividade específica com outras. Isso movimenta o aprendiz para além da necessidade direta e imediata explicitada pela interação. Assim, é formada uma ponte entre a atividade imediata e outras atividades relacionadas. Fazendo isso, o mediador amplia o sistema de necessidades do mediado, incluindo a necessidade por compreensão, por pensamento reflexivo e pela formação de relações entre as coisas.
A transcendência desenvolve na criança (1) uma profunda compreensão do mundo; (2) uma percepção de como as coisas estão interligadas; (3) uma curiosidade que a leva a inquirir e descobrir relações entre as coisas; e (4) um desejo de saber mais sobre as coisas e buscar explicações para elas.
Na Sala de Aula
Na sala de aula, o potencial para transcendência fica limitado quando o foco está nos fatos e na mera repetição decorada desses fatos e quando o conhecimento é fragmentado e compartimentado.
Esse potencial pode ser materializado quando o foco está no ensino do processo - no ensino do conhecimento subjacente - e quando o conhecimento está integrado e ligado a um contexto mais amplo.
Em Casa
A transcendência em casa fica limitada quando nenhuma explicação é dada para as ações e quando nenhuma conexão é estabelecida entre os eventos. Entretanto, quando são feitas conexões com eventos relacionados, o mediador transcende o objetivo superficial.
Por exemplo, uma simples ida ao supermercado pode ir além da necessidade imediata de fazer compras, se for iniciada uma discussão sobre:
■ de onde vêm os produtos;
■ como são feitos e embalados;
■ a apresentação dos produtos em várias categorias;
■ o valor do dinheiro;
■ o papel da propaganda;
■ o impacto dos produtos no ambiente.
Lembre-se
A mediação da transcendência envolve:
■ encontrar uma regra geral que se aplicam as situações correlatas;
■ ligar eventos no presente com eventos futuros e passados;
■ engajar-se num pensamento reflexivo para alcançar a compreensão do que está subjacente na situação;
■ pensar lateralmente sobre experiências e conclusões.